2012/04/23
Já chegámos em plena noite a Santa Marta, cidade base para os tours à Ciudad Perdida. O taxista deixou-nos no primeiro hostel que vinha no Lonely Planet, consequentemente o mais barato dos que lá estão listados, e ainda conseguimos um quarto por um valor mais baixo que o esperado: Hotel Miramar. Antes de fazermos algo já nos queriam vender a visita à Ciudad Perdida.
Saímos logo em busca do ATM mais próximo para pelo menos podermos arranjar algo para jantar e pagar o hostel. Há semelhança de outros sítios por toda a América do Sul é necessário informar que queremos um menu pré-estabelecido senão dão-nos a escolher da carta, onde um prato (do mesmo tamanho do do menu) custa mais que: sopa + prato + às vezes bebida, e/ou pão, e/ou café, e/ou sobremesa. Escolhemos um restaurante e depois de selecionados a sopa e prato principal perguntámos que sumos naturais havia... havia muitos e de frutos com nomes até então desconhecidos... o escolhido foi o lulo e podemos dizer que o sumo é divinal. Aproveitámos logo para saber onde era o mercado de fruta, quando estaria aberto e se seria possível encontrarmos todos os frutos que nos tinham enumerado.
2012/04/24
A fim de aproveitarmos a internet, algo que já não tínhamos acesso fidedigno à quase duas semanas, passamos a manhã a tentar atualizar o blog.
Ainda no Hotel tentámos esclarecer algumas dúvidas relativamente ao tour, e antes de aceitarmos as condições fomos procurar as outras agências para confirmar as informações e ver os preços aí praticados... encontramos ainda a magic tour e pelo que pareceu existe um valor global estabelecido para todas e o percurso também é o mesmo... acabámos por reservar com a agência do Hotel Miramar chamada “Guias e Baquianos” (baquiano significa guia de selva ou montanha). O tour pode ser feito em 4, 5 ou 6 dias, com variações de preço muito diminutas por isso, e dada a nossa disponibilidade de tempo escolhemos os 6 dias, pagando desde logo um sinal. Solicitámos ainda que no último dia não regressássemos a Santa Marta ficando em El Zaino onde se encontra uma das entradas no Parque Nacional Tayrona.
De tarde fomos fazer algumas compras para o jantar e dias seguintes, em especial para o Parque dado que a comida já não se encontraria incluída e os preços no local seriam superiores.
No mercado encontrámos o lulo (mistura entre um citrino e um dióspiro) bem como outros frutos até então desconhecidos: zapote (similar ao mamei, de casca espessa cor castanha e interior laranja avermelhado forte com consistência semelhante a uma papaia) e nispero (tipo de nêspera de cor castanha e sabor enjoativo) e umas deliciosas mangas e goiabas que serviram de base a uma salada de frutas que acompanhou o jantar, frango com batata cozida e bollos de milho.
2012/04/25
Acordámos cedo para levantar dinheiro para pagar o que faltava do tour. Ao regressarmos ao hotel fomos prontamente apresentados ao nosso experiente guia Miguel, assim como aos restantes companheiros de tour: um casal de alemães, um casal de holandeses, outro holandês e uma canadiana.
O tour começou pelas 9:30 com todos enlatados na traseira de um grande e desconfortável jipe. Do lado positivo tínhamos o facto da fruta ir toda debaixo dos nossos bancos o que gerava um aroma muito agradável no interior do veículo. Pela frente 1H30 de estrada boa e outra 1:30 de estrada péssima até chegarmos a Machete Pelao, pequeno povoado onde almoçámos umas sandes antes de partirmos, a pé, em direção ao primeiro acampamento. O nome anterior do local era El Mamey, atendendo à grande produção deste fruto, mas mudou pois este povoado foi um dos principais focos da guerra civil na Colômbia, relacionada com os confrontos entre carteis de droga, e como o próprio nome indica, a guerra (pelea) foi travada entre os rivais tendo como principal arma a catana (machete).
Uma vez que o guia não falava inglês e apenas nós e a canadiana falávamos espanhol, estes foram nomeados como interpretes para os restantes.
Aqui verificámos que tínhamos deixado no Hotel Miramar alguma roupa a secar que seria suposto trazer e, após o início da caminhada, o bastão de madeira da Mónica, moldado pela mesma, que nos tem acompanhado desde o parque Brownsberg no Suriname, onde foi encontrado. Avisámos algumas pessoas que iriam para Santa Marta do sucedido e esperámos que tudo estivesse à nossa espera no regresso.
Ao fim de aproximadamente meia hora uma primeira paragem para um mergulho no rio, e ao mesmo tempo as primeiras duas carraças a treparem pela floresta de pelos das pernas do Nuno. Cruzámos o rio e depois uma penosa subida, no fim da qual tivemos direito a umas fatias de umas deliciosas melancias. Aqui, enquanto tirávamos as sementes, um grupo de galinhas e patos lutava por chegar às mesmas primeiro e um cão sedento devorava os nossos restos de casca. Esta paragem coincidiu com a descoberta de mais uma carraça trepadora de pernas.
Nova subida, menos inclinada e na paragem seguinte mais uma carraça.
09:32 Início do tour (esq.), 14:17 Lagartixa (centro) e 16:04 Mula (dir.)
O tempo prometia chuva por isso acelerámos o passo durante a descida até ao primeiro acampamento base.
Mesmo antes da chuva e apenas com mais uma hora de luz chegámos ao acampamento 1 (ADAN).
2012-04-26 07:02 Acampamento 1 ADAN (esq.) e 07:37 Papagaios no acampamento (dir.)
A jusante do acampamento uma profunda piscina permite uns mergulhos com alguns metros de altitude. No mesmo existe uma pequena central eléctrica com energia proveniente da água do rio que faz rodar um mecanismo, gerando 80volts, suficientes para manter em funcionamento todas as instalações e equipamentos do acampamento e casas envolventes (devido a isto o acampamento também é conhecido como La Planta).
Para o jantar, frango assado com arroz, salada e batata e oreo como sobremesa. Engraçado foi o facto de dois dos turistas do outro grupo (que fazia o percurso connosco) não se terem apercebido da separação existente e quando chamaram para jantar, sentaram-se e serviram-se da nossa mesa, não restando comida para o nosso guia e cozinheiro, que tiveram de ir buscar à concorrência.
Dada a dificuldade já sabida dos sul americanos pronunciarem o nome do Nuno e dado o facto do seu segundo nome ser o mesmo do do Guia, este passou a ser tratado como tal... ou apenas por amigo, ou ainda por “tucayo” (que significa algo como “tu como eu”).
Ao fim do dia uma pequena conversa sobre o programa do dia seguinte, um pouco de história e, mesmo antes de dormir, alguns conselhos a ter quando se está em lugares onde os animais e/ou as plantas nos podem trazer alguns dissabores, conversa sustentada com relatos de casos reais.
Poderá não ter sido a melhor altura para falar de cobras venenosas, escolopendras (a que eles chamam escorpian) e escorpiões (a que chamam de alacran) pois alguns dos nossos companheiros ficaram deveras assustados e tiveram pesadelos durante a noite. Do nosso lado, também aconteceu com a Mónica mas principalmente devido ao avistamento de várias carraças durante todo o dia.
Quanto aos conselhos, deste e últimos tours pela selva:
- Os animais normalmente gostam de sítios quentes para refugiar e portanto, cobertores, hamacas, colchões e os nossos sapatos são sítios ideais para isso (algumas cobras escolhem até o interior de calças ficando assim encostadinhas à pernoca). Assim sendo, caso necessitemos de ir a casa de banho de noite, quando nos vamos deitar, ou mesmo de manhã quando nos calçamos, devemos confirmar a ausência de bichos com a lanterna e/ou sacudindo as peças de roupa; Embora tenha experiência em fazê-lo e o saiba, o nosso guia por lei não pode administrar os antídotos para venenos de cobra, que costuma carregar no estojo de primeiros socorros, uma vez que não é médico (se fossemos mordidos... claro que lhe pediríamos para nos dar!).
- Antes de atravessar um tronco caído deve-se sempre primeiro olhar para o lado contrário ou subir para este para procurar possíveis bichos ou dar-nos a ver, pois o efeito surpresa pode causar insegurança e consequentemente um ataque.
- deve-se dormir de meias, dada a probabilidade de existência de morcegos vampiro e uma vez que os pés poderão sair da hamaca, ficando à sua mercê (conselho dado pela Alizé na Guiana Francesa).
A história da Colômbia, mas principalmente desta zona é mesmo muito recente.
Em 1948, em plena campanha eleitoral, Jorge Elieces Gaitan, alguém muito querido pelo povo e cujo lema era “ eu não sou um homem... eu sou um povo”, foi assassinado, gerando-se uma revolta generalizada pelas principais cidades do país. A revolta, insegurança, opressão e violência levou a que muita gente saísse destas, recolocando-se em cidades mais pequenas como Santa Marta.
O grande fluxo de pessoas levou a que se começassem a explorar terrenos mais interiores como a Sierra Nevada em busca de lugares para se estabelecerem e poderem cultivar os seus produtos. Assim sendo dirigiram-se para as montanhas, desbastando as mesmas (cortando e queimando) em busca de área arável.
O desbaste e seguintes trabalhos relacionados com a agricultura levaram à descoberta de algumas antigas terraças e posteriormente peças de ouro nas mesmas. A notícia da existência de ouro gerou quase instantaneamente uma caça desenfreada ao mesmo, tendo-se, por um lado descoberto diversos sítios arqueológicos de elevado interesse, como a cidade de Pueblito no actual parque nacional de Tayrona e onde foram descobertos os maiores tesouros de ouro e trabalhos em pedras preciosas e semi preciosas (Contas tayrona, colares, brincos orelheiras e narigueiras) mas, por outro, estes foram totalmente pilhados e saqueados indiscriminadamente durante anos... tendo-se perdido muitas coisas.
Dada a fertilidade dos terrenos, passou-se a cultivar uma grande variedade de plantas, nomeadamente o cânhamo ou marijuana que se julga ter chegado por alguém interessado no negócio futuro e que voluntariamente distribuiu sementes pelos camponeses.
As plantações cresceram e a sua existência chegou aos ouvidos do estrangeiro, de onde passaram a vir muitas pessoas com mochilas carregadas de dinheiro, desejosas de o trocar.
Com nova oportunidade de negócio fácil e lucrativo, depois de terem passado de camponeses a Guaqueros (saqueadores), os locais viraram-se novamente para a agricultura, dando descanso por vários anos à destruição de zonas arqueológicas.
Em 1986 dá-se novo volte-face quando um velho incauto indígena comentou a um colono a existência de uma cidade antiga no meio da floresta. A notícia espalhou-se e quase automaticamente formaram-se dois grupos de Guaqueros, organizando expedições ao local em busca de novos tesouros. A ganância gerou graves conflitos entre as duas facções.
Tudo isto passava-se sem o conhecimento do governo colombiano, pouco representado na zona e quase sem acesso a qualquer tipo de informação. No entanto, um dos guaqueros cansado, apenas assustado com a guerra ou em busca de auxílio, conseguiu fugir e dirigiu-se a Santa Marta a fim de divulgar a existência de uma zona arqueológica de elevado interesse, que esta estaria a ser pilhada e, mais que isso, havia uma guerra civil a decorrer na serra e muitas pessoas a morrer por causa da busca incessante pelo ouro.
A resposta do governo constou do envio imediato de helicópteros com militares à até então “Cidade Perdida”. Estes desbastaram o terreno de modo a fazer um heliporto e regressaram os helicópteros, desta vez com arqueólogos e antropólogos que, com a ajuda de alguns guaqueros fizeram um primeiro reconhecimento do local, que constou do levantamento de todas as terraças, a extração do tesouro e posteriormente a reconstrução das mesmas.
Logo nesta altura começaram a chegar os primeiros turistas, mas que à data percorriam um caminho muito mais difícil e moroso que o actual.
Os vários voos sobre a serra serviram também para se identificarem grandes áreas de plantação de marijuana. O problema teria de ser resolvido e foi pedido auxílio aos EUA que, como sempre, arranjou uma solução, mas também como sempre, não se tratando do seu território não foram estudadas as consequências... os americanos “ajudaram” através de envio de 10 aviões para fumigação com TDT e outros produtos, da qual resultou não só a destruição das plantas de marijuana como de todo o ecossistema envolvente, com irradicação e até extinção de algumas espécies endémicas da fauna e flora local assim como causado muitas baixas no que diz respeito ao número de indígenas.
Como se costuma dizer “depois da tempestade vem a bonança”, no entanto neste caso a história não foi bem assim: a grande inacessibilidade ao terreno continuava a fazer com que o governo não tivesse o controlo desejado sobre toda a área e, depois da marijuana, veio a coca.
Esta era uma planta já cultivada anteriormente, de forma artesanal pelos indígenas e campesinos mas a procura fez com que tudo se alterasse.
Numa primeira fase os campesinos transformavam as folhas numa pasta de coca em laboratórios rudimentares e de forma artesanal, que vendiam posteriormente aos paramilitares. Estes, com laboratórios mais sofisticados, processavam a matéria prima e enviavam para todo o mundo o conhecido narcótico.
Ao mesmo tempo o turismo no local também foi crescendo... não tendo sido necessário esperar muito até que um turista (e depois muitos outros) ao conversar com um local, tivesse tido acesso ao seu laboratório e inclusivamente filmado o processo de tratamento das folhas de coca. As filmagens chegaram às cadeias televisivas estrangeiras que as divulgaram.
Finalmente o governo colombiano teve conhecimento do que se passava no seu pais, mas também todo o mundo. O tour à Ciudad Perdida chegava a ser anunciado como pertencente a algo denominado narcoturismo. Crê-se que terão vindo muitos membros de organizações não governamentais e outras como CIA, KGB, INTERPOL, FBI, “camuflados” sobre a pele de turistas, apenas para confirmar o que se passava.
Mais uma vez terá sido solicitada ajuda ao estrangeiro mas, tendo em conta o desastre ecológico anterior a solução escolhida não foi a mesma (pelo menos nesta zona, ao contrário de outras onde a fumigação continuou a ser utilizada até recentemente na Colômbia).
A solução escolhida passou por uma tentativa de reinserção, com garantia de trabalho aos paramilitares, caso estes entregassem as suas armas voluntariamente, sendo presos os que não aceitassem o acordo.
Por outro lado os campesinos nem tinham emprego nem segurança, dado o processo de reinserção não era bem nem rapidamente aceite. Pedindo auxilio ao governo este só lhes seria concedido mediante a destruição das plantações... a aposta no turismo foi a solução, nomeadamente pela permissão de criação e gestão de cabanas, acampamentos, lojas e restaurante por parte destes.
Atualmente, apenas os indígenas podem cultivar coca e para consumo próprio estando estabelecida a cota de 20 plantas por família.
Devolvida a paz ao local, apenas e só no recente ano de 2006, espécies desaparecidas à data das fumigações dos campos de marijuana começam a voltar ao local.
Como curiosidade, a zona arqueológica que dá o nome ao tour tem vindo a alterar o seu nome. O primeiro nome, utilizado atualmente pelos indígenas é Teyuna. Devido aos conflitos gerados entre facções de Guaqueros pelo conteúdo das pilhagens o passou a ter o nome de Inferno Verde. Depois Cidade Perdida pois se sabe que os espanhóis nunca lá chegaram estando coberta por selva durante muitos anos e, mais actualmente Buritaca 200, com alusão ao nome do rio que passa no fundo do vale e ao número de referência da zona arqueológica na Colômbia.
2012/04/26
Não foi uma noite muito bem dormida, principalmente pela qualidade das hamacas (muito mais estreitas que as nossas).
Pelas 8:00 o pequeno almoço constava de ovos mexidos, pão, ananás e meloa.
Começámos a caminhar uma hora depois e logo de seguida a uma subida tempo para nos refrescarmos com umas laranjas... a sede
era tanta que mesmo com uma das laranjas lhe sabendo mal o Nuno ainda comeu metade... pelo menos até dar a provar à Mónica que alertou para o facto desta talvez estar podre... Pelo meio a descoberta de um novo fruto, de nome ulupa, com aspecto exterior similar a uma pequena melancia raiada, mas da família dos maracujás.
09:03 Gado Bovino (esq.), 10:11 Ulupa (centro) e 11:17 Cogumelos (dir.)
Mais uma hora de caminhada e paragem para comer ananás.
Ao fim de 4 horas chegámos ao segundo acampamento (Mumake), este provido de camas com rede mosquiteiro. Antes passámos por alguns povoados dos índios Kogui, tendo a sorte de poder entrar nos mesmos, pelo facto do nosso guia se dar bem com estes (não é normal podermos aceder ao interior dos povoados nem tirar fotos sem ter de solicitar permissão, sob pena de nos serem arremessados paus e rochas). Embora tivesse sido uma sorte as fotos não foram muitas pois nos pareceu bastante desagradável o facto de muitas pessoas se colocarem á sua frente para tirar fotos como se de animais em jaulas se tratassem.
Povoado Kogui: 11:20 Família (esq.), 11:29 Índio (centro) e 11:32 Casas típicas (dir.)
Tempo para um mergulho no rio (apenas Mónica claro) e depois almoço com sopa de legumes (pelo menos com feijão, batata, cebola, alho, milho, cenoura, yuca, banana e outros tantos que não conseguimos identificar) com bolachas de água e sal.
Durante a tarde descansámos, tentámos atualizar o blog (não tínhamos internet mas levámos o computador) e esclarecemos algumas dúvidas com o Miguel, que desta vez falou de alguns costumes dos indígenas e sobre o dia seguinte.
As casas dos Kogui são redondas, com dois picos no tecto que representam o bem e o mal. Identificámos 3 tipos de construção diferentes no que diz respeito às paredes: barrotes verticais de madeira, espaçados de 10 a 15 cm com preenchimento dos espaços com lama; os mesmos barrotes com preenchimento dos espaços com vime entrelaçado alternadamente por dentro e fora destes; os mesmos barrotes com preenchimento dos espaços com vime entrelaçado entre si, tal como uma grande folha de cestaria;
Os Kogui são os descendentes mais próximos dos Tayrona. Os índios são semi nómadas possuindo 3 a 5 casas (uma casa corresponde ao conjunto da casa para os homens e da casa para as mulheres pois dormem separados) em diferentes locais, que rodam consoante os alimentos disponíveis em cada um. Possuem também uma casa num povoado onde todos se reúnem para reunião semanal com o Mamo, no interior da maior cabana. Foi um povoado deste tipo que tivemos oportunidade de visitar.
É permitido a cada homem ter mais que uma mulher, mas apenas uma esposa. Pode no entanto ter filhos de todas, e passa cada noite com uma em regime de rotatividade.
Um jovem Kogui torna-se homem por volta dos 14 ou 15 anos, quando desperta interesse por uma menina e informa o Mamo desse mesmo interesse. Assim sendo passa por um ritual de preparação de 8 dias, no interior da cabana do chefe, no fim do qual lhe é oferecido a tomar pela primeira vez o “poporo” (mistura de folhas de coca e casca de conchas marinhas, apenas permitido o consumo aos homens, que aparentemente dá força... em todos os aspectos). Após isto o jovem homem pode continuar a consumir poporo, casar e arranjar outras mulheres.
Caso um jovem não se sinta atraído por nenhuma mulher após esta idade, o Mamo toma a liberdade de lhe oferecer como esposa uma mulher mais velha, viúva, portanto mais experiente, que lhe possa transmitir os conhecimentos a fim de se tornar um homem responsável.
Cobertura de colmo é construída no chão e no fim colocada sobre a casa.
Os homens e as mulheres Kogui usam cabelos longos pelo que, quando são jovens não é tão fácil distinguir os rapazes das raparigas. Após questionarmos o nosso guia sobre este facto ele respondeu que a forma mais fácil é verificar se usam colares ou uma bolsa: rapariga e rapaz respectivamente. A utilização da bolsa está relacionada com o uso de poporo, pois é aqui que o transportam.
As vestes dos índios constam de longas túnicas brancas de um tecido resistente que aparentemente são utilizadas por 5 anos antes de serem trocadas por novas.
Começaram a chegar entretanto alguns índios, um grupo de 5 irmãos, de um total de 20, liderado pelo David de 10 anos, que primeiro nos pareceram engraçados e muito curiosos com o computador, depois um bocado ousados e por fim um pouco irritantes e desagradáveis... Enquanto o Nuno escrevia uma das meninas veio mostrar uma carraça que tinha acabado de tirar. Estes, à revelia do Mamo (chefe indígena) costumam passar pelo acampamento para ver se lhes toca algo no que diz respeito a comida ou se conseguem surripiar algo a algum turista menos prevenido (algo para o que o guia já nos havia prevenido).
Algo que gostámos muito no guia foi o facto de apenas contar o que sabe, remetendo muitas coisas para segredos guardados pelos indígenas aos quais não tem acesso, sem inventar qualquer tipo de histórias mirabolantes e fantásticas, muitas vezes muito apreciadas pelos turistas.
Aproveitando a luz do dia e o facto dos nossos companheiros estarem a beber cerveja a Mónica quis por em prática os desenhos que tinha feito no dia anterior, com base nuns vídeos que vimos no youtube sobre como fazer um fogão portátil (se estão interessados procurem “can stove” ou vejam http://www.instructables.com/id/Can-Stove/)...o resultado pareceu satisfatório mas como não tínhamos álcool para testar ficámos por aqui... entretanto o fogão ficou com os indígenas servindo como brinquedo e arma de arremesso.
O jantar demorou a ser feito mas estava delicioso: carne estufada com lentilhas, batatas e arroz e como sobremesa um chocolate Gol (algo entre o Lion e o Kit Kat).
10:09 Guia Miguel com recipiente de Poporo (esq.) e 18:09 Jantar (dir.)
Era noite e os miúdos não se iam embora. A Mónica ainda fez braço de ferro com o David que apresenta uma força impressionante para a idade e porte que apresenta (em todo o caso ganhou a Mónica) e com um do seus irmãos mais novos, houve respostas a algumas “balas” de cera e uns piparotes a uma bola de cera para marcar golo numa baliza feita com as mãos... depois fomos para a cama, como todos os outros companheiros, já um bocado fartos dos miúdos que ainda ficaram por lá.
2012/04/27
Acordámos com o nascer do sol para tomar o pequeno almoço pelas 6:30 (Arepas e ananás) saindo logo de seguida. Para nossa surpresa os putos ainda ou já lá estavam.
O Nuno não tinha passado muito bem a noite e não se sentia muito bem... talvez a maldita laranja do dia anterior...
Durante as 4 horas de caminhada parámos uma vez para comer ananás e laranja (o Nuno não) e outra vez, após cruzamento a pé de um rio, galletas de morango (a Mónica não). O maior rio foi cruzado por uma ponte suspensa, de construção recente (1 ano), sendo que até ao ano passado se cruzava por um mecanismo manual como um elevador horizontal ou um teleférico, que transportava uma pessoa de cada vez (agora podem passar 3 na ponte). Passamos ainda por uma cabana onde os índios fazem a moagem da cana de açúcar através de um mecanismo de prensa movido por burros (como nos lagares).
10:02 Rio (esq.) e 10:38 Borboleta “89” (dir.)
Chegados ao acampamento 3 (Romualdo ou Paraiso Tayrona), por volta das 11 horas, os guias de cada grupo perguntaram se queríamos ir de tarde à Ciudad Perdida ou no dia seguinte. Por um lado, quem fosse teria de andar menos no último dia (apenas do acampamento 1 para Machete Pelao, fazendo do terceiro para o primeiro no dia seguinte), por outro, as condições meteorológicas de tarde não são as ideais (muito nevoeiro, ao que os locais chamam de Nieve e que dá o nome à Sierra Nevada onde nos encontrávamos, ou probabilidade elevada de chuva) para a visita e fotos, além de que quem fosse só almoçaria por volta das 16:00 ou 17:00.
2012-04-27 10:36 Acampamento Romualdo (esq.), 2012-04-28 10:49 Beliches acampamento Romualdo (centro) e 2012-04-27 11:31 Almoço (dir.)
O outro guia, ao que nos apercebemos não terá apresentado as contrapartidas e o seu grupo quis subir logo. O nosso, preferiu uns últimos dias mais cansativos (nós não, pois tínhamos reservado o tour por 6 dias andando na volta o mesmo que na ida), em troca de boas fotos.
Ficámos assim com a tarde livre... e ainda bem...
Almoçámos massa com salsichas e a partir do almoço o estado do Nuno agravou-se, dividindo este o tempo entre a cama e a casa de banho.
O jantar foi carne estufada com arroz e um Gol como sobremesa (o Nuno não saiu da cama).
2012/04/28
Depois de uma noite mal passada de limpeza interior total, o Nuno já se sentia melhor, em todo o caso as Arepas de queijo como pequeno almoço pareceram demasiado fortes para reiniciar o sistema digestivo. Pela primeira vez na vida, após três dias de exercício e sem banho, o Nuno sentiu-se mais limpo por dentro que por fora.
Saímos à mesma hora do dia anterior, em busca das tão esperadas fotos, para regressar ao acampamento a fim de almoçar e seguir de tarde para o acampamento 2 onde passaríamos a noite.
Não seria uma grande caminhada até às ruínas mas a hora e pouco incluía o cruzamento de um rio, assim como a subida de 1200 degraus entre este e as primeiras terraças.
A escadaria ligava a cidade a uma piscina construída no rio pelos índios Tayrona, actualmente destruída pela água. A meio destas o Miguel chamou-nos a atenção para umas sementes que havia no chão... Tagua ou por outras palavras marfim vegetal. Já nos tinha informado da sua existência nos dias anteriores, no entanto estávamos à espera de algo bem maior. Em todo o caso recolhemos um saco delas para posteriormente darmos asas à nossa imaginação.
Chegados às terraças principais, alguma comichão e o Nuno retirou inadvertidamente uma carraça que, pelo tamanho, parecia ter feito dele casa durante alguns dias...ao menos saiu toda e sem esforço.
08:06 Terraças (esq.), 08:08 Teraças com grande palmeira (Tágua) ao centro (centro) e 08:12 Todo o grupo (dir.)
A Ciudad Perdida apresenta mais de 450 terraças datadas de 500 D.C. até 1500 D.C. quando desapareceram os índios Tayrona, tal como os Incas e os Maias, aparentemente sem explicação plausível. Sabe-se também que todos estes povos terão chegado a encontrar-se e a comunicar-se pois foram encontrados objectos Incas e Maias na Ciudad Perdida.
08:49 Terraças Principais (esq.), 08:55 Terraças Principais (centro) e 09:14 Casas típicas (dir.)
Ao contrário das terraças Incas, apenas utilizadas para o cultivo, os Tayrona também construíam-nas, pequenas e de forma circular, como lugar de implantação de uma habitação, com dimensão em função do número de familiares e/ou posto hierárquico. As habitações teriam a forma e aspecto similar às dos atuais Kogui. Quando morria um elemento da família, este era enterrado sob a casa com os seus pertences, movendo-se a restante família para nova habitação. Foram estes pertences que foram saqueados pelos Guaqueros. Atualmente não é possível proceder a qualquer tipo de escavação para retiro de quaisquer peças de túmulos.
Durante toda a visita fomos regalados com alguns chocolates Goleador e chupa-chupas. São curiosos os nomes de Gol e Goleador para chocolates, uma vez que já na Bolívia tínhamos comido Golazos.
De volta ao rio um dos holandeses chamou a atenção para algo muitíssimo curioso... a corda que normalmente é utilizada para facilitar o cruzamento em caso de grande caudal parecia fervilhar de vida... estava totalmente coberta de formigas a transportar pedaços de folhas de uma margem para a outra do rio.
A meio caminho as muitas paragens para fotos colocavam-nos na cauda do grupo assim como o casal de alemães. Após nova paragem acabámos por ficar sozinhos até que vimos os mesmos a correr na nossa direção com cara de medo... a mulher nem conseguia falar e dele só ouvimos “pantera negra junto ao rio”... mais que assustados ficámos entusiasmados com a hipotese de conseguir boas fotos e rapidamente tentámos mudar a lente da maquina... ao fundo não um mas sim dois vultos negros... que sorte... ou não, pois afinal eram só dois porcos... o momento foi tema de conversa nas horas seguintes.
Regressados ao acampamento almoçámos salsicha assada com arroz e partimos em direcção ao acampamento 2.
Ao fim de alguns minutos de caminhada, o que talvez parecesse um exagero do guia na primeira noite no que diz respeito à conversa sobre perigos, fazia todo o sentido... por sorte o Miguel ia à frente e conseguiu vislumbrar uma perigosíssima víbora de cauda amarela no caminho. Embora com aproximadamente 50 cm, o veneno desta mata uma mula em 2 horas e uma mordidela tem veneno suficiente para matar 5 pessoas. Apesar de tudo, não fomos muito a favor do que se passou a seguir (aparentemente os únicos), mas é normal que se mate o bicho antes que morda alguém, em vez de apenas afastá-lo.
06:45 Caminh0 entre o acampamento e a Ciudad Perdida (esq.), 10:25 Ponte de formigas (centro) e 11:53 Víbora de cauda amarela (dir.)
Chegados ao acampamento era hora de experimentar a resistência, textura e dureza das sementes de Tágua recolhidas: a Mónica começou uma prenda para a Xana (a face de um sapinho para colocar num colar) e o Nuno duas ofertas para o Miguel e esposa.
A simpatia do Miguel e conhecimento dos indígenas mais uma vez deu frutos, e desta vez literalmente, com a oferta de um cacho de bananas que lanchámos de tarde com bolachas.
Tivemos de perguntar como se tornou tão amigo dos indígenas e como os conhecia todos (cumprimentava todos, pelo nome e perguntava pelos familiares). Este respondeu que além de guia à muitos anos, viveu muito tempo na serra com a sua família, tendo inclusivamente gerido um dos acampamentos.
Tivemos mais uma vez a companhia dos irmãos indígenas.
O jantar foi carne com arroz, feijoada e como sobremesa oreo.
Estando atento à nossa curiosidade pelos sons noturnos das redondezas o Miguel quis-nos mostrar algumas rãs e sapos.
19:02 Rã (esq.) 19:44 Rã (centro) e 19:47 Sapo (dir.)
Por se tratar do quarto dia, e após já o ter tentado várias vezes durante os dias anteriores o Miguel tentou mais uma vez demover-nos de fazer o tour em 6 dias, substituído o sexto por uma visita guiada ao museu do ouro em Santa Marta... mais uma vez não aceitámos e com isso o cozinheiro Danilo, genro do guia, acabaria por ficar mais uma noite connosco de propósito.
Dada a descoberta do hóspede indesejado, antes de dormir fizemos nova inspeção e o resultado foram mais dois espécimes para o Nuno (mais uma vez de fácil extração).
2012/04/29
Acordámos muito cedo pois todos os outros teriam uma longa caminhada pela frente: fazer o mesmo que nos dois primeiros dias mas num só.
O pequeno almoço foram ovos mexidos com pão.
Antes de sairmos do acampamento o Danilo decidiu fazer uma limpeza... de Machete (catana) na mão: primeiro afugentou um rato prontamente apanhado pelo gato do local (finalmente descobrimos o porquê dos gatos no local serem tão gordos comparados com os cães); outro rato conseguiu fugir; um terceiro escondeu-se debaixo de um armário o que levou à descoberta de nova víbora de cauda amarela, ambos mortos. O gato, depois do primeiro rato regressou para ver que mais poderia comer...
No caminho enchemos um saco de ulupas e numa das subidas encontrámos mais uma das criaturas perigosas no meio do caminho, agora um escorpião (alacran), que conseguimos evitar que o Miguel o matasse.
06:13 Baixas do dia: rato, víbora e Holandês... (esq.) e 07:39 Escorpião (dir.)
Chegámos ao acampamento 1 por volta das 9:00, onde comemos melancia, meloa, as nossas ulupas e bolachas com dulce de leche, acompanhando com sumo natural de maracujá.
Despedimo-nos dos nossos companheiros e guia ficando sozinhos com o Danilo. Antes, recebemos como prenda uma navalha multifunções do Holandês, a qual a Mónica tinha consertado uns minutos antes, e que ele referia quase não a utilizar e só lhe fazer peso.
Não fizemos grande coisa o dia todo além de esculpir sementes de Tagua (a nova navalha já foi posta à prova). A produção resultante foram: 2 letras para os miúdos do acampamento, Bleison e Tania; duas letras para o Danilo e esposa e finalização da prenda da Xana,para a Mónica... e um golfinho, um elefante, um porco, um mocho e uma tartaruga, para o Nuno.
Trabalhos em Tágua: Ofertas Miguel e esposa (esq.), Ofertas Tania e Bleison (centro) e, (seguindo a ordem de cima para baixo e da esquerda para a direita) Mocho, Golfinho, Porco, Polvo (já feito uns dias depois no Parque Tayrona e em Cartagena), Tartaruga, “Sapito” (prenda Xana) e Elefante... alguém quer comprar?? Encomendas?? o número de sementes que temos é limitado... (dir.)
O almoço foi carne estufada com arroz e o jantar massa com batatas fritas e arroz. Pelo meio a Mónica ainda foi ao rio com o Bleison, tentando apanhar lagostins... o resultado da pescaria foi... um. Tendo também tentado fazer outro e pela primeira vez experimentar o funcionamento do que estamos a tentar que seja o nosso futuro fogão portátil... o resultado foi um estrondo e muitos pelos da mão queimados...
08:18 Sierra Nevada (esq.), 14:36 Pescaria (centro) e 17:49 Aranha (dir.)
Ao fim do dia chegaram dois grupos que começavam o tour. Acabámos por escutar as recomendações dos seus guias que incluíam o facto de não entrar no povoado Kogui (que tínhamos entrado), muito menos tirar fotos (que tínhamos tirado) sem um pedido de autorização, sob pena de poderem ser atiradas pedras ou paus...
2012/04/30
As nossas idas à casa de banho e chuveiros foram acompanhadas de perto, talvez demasiado de perto, por dois papagaios que normalmente se encontram no acampamento.
O pequeno almoço foram panquecas com doce de morango.
No caminho de regresso apanhámos algumas mangas, poucas consumíveis e tivemos a sorte de ver e fotografar bichos-pau (maria palito) e libelinhas a acasalar. Ao passarmos perto o Danilo indicou-nos a casa onde ele e o Miguel viviam antes.
10:09 Bicho-pau ou Maria Palito (esq.), 10:30 Sierra Nevada (centro) e 11:22 Acasalamento de Libelinhas (dir.)
Já em Machete Pelao o sistema digestivo do Nuno voltava a estar irrequieto, talvez remanescências, talvez novo problema (viemos a descobrir que quase todo o restante grupo tinha passado um muito mau bocado nestes dois dias).
Almoçámos peixe frito com banana frita, feijão e arroz e esperámos o nosso transporte. Desta vez seria um jipe aparentemente construído por um ferreiro, propriedade da terceira companhia de tours à Ciudad Perdida, que não nos levaria de regresso a Santa Marta mas sim até à entrada do Parque Nacional Tayrona onde contávamos passar alguns dias, reencontrando alguns dos companheiros deste tour...
PS: Embora nem sempre se refira, não deixámos de encontrar moedas, tendo-o feito em todos os países até agora, no entanto com uma menor frequência. Apesar disto o saldo monetário é negativo pois, pelo menos o Nuno já perdeu: a aliança e o boné, no Suriname; a fita para o cabelo na Guiana; 4 imodium e a lanterna neste mesmo tour.
2 comentários:
A aventura da laranja correu bem... lol E apenas o Nuno apanhava carraças? Era o dom q ele tem para isso a funcionar ou era comum a todos? Gostei bastante da parte da historia que contaram, podem continuar a contar coisas dessas nos próximos posts ;) Espero que continue a correr tudo pelo melhor! Beijo e abraço!
Olá jovem,
As carraças eram um mal comum, como podes ver no post que publicámos a seguir... mas a maioria preferia o Nuno :)
jinhos e abraços
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